Discriminação Oficial
Em votação histórica no STJ (Superior Tribunal de Justiça) na última terça feira, dia 25, sua 4ª Turma, por maioria, entendeu que é possível o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Prevaleceu a tese do ministro Luís Felipe Salomão, que entendeu que a orientação sexual não pode justificar impedimento para a constituição da família, e com isso adquirir a proteção jurídica que lhe é devida. Para o ministro, “conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento”.
Recentemente o STF (Supremo Tribunal Federal) já havia assegurado a dois homens o direito de constituírem união estável, com o fundamento de que o contrário significaria hipótese de discriminação, e nossa Carta Política veda a discriminação. E agora, como decidiu o STJ, não somente a união homoafetiva, como também o casamento civil, são permitidos no Brasil. Essa decisão da justiça, que viola texto expresso da lei (o código civil é induvidoso em afirmar que casamento é entre homem e mulher- art. 1.514), e da própria Constituição (a união estável apenas pode ocorrer entre homem e mulher, art. 226, § 3º), está pautada no entendimento atual de que os princípios constitucionais se sobrepõem até mesmo a outros dispositivos da própria Constituição. E o princípio violado pelo impedimento que havia a pessoas do mesmo sexo de constituírem união estável ou casamento era o que proíbe a discriminação.
Seria o momento de aplaudir, então, que de agora em diante não mais existem distinções entre brasileiros? Infelizmente, não, e a discriminação é oficial. Explico. A Agência Nacional de Saúde (ANS), pela resolução nº 259, de 17 de junho de 2011, definiu os prazos máximos que devem ser adotados pelos planos de saúde com relação ao agendamento de consultas, exames e cirurgias, e fixou que nunca podem ultrapassar 21 dias úteis. Ora, se existem prazos para os planos privados, esses mesmos prazos deveriam ser adotados com relação aos que não têm plano de saúde e dependem do SUS, porque, se assim não fosse, existiria discriminação, pois a saúde dos pacientes da rede pública seria menos importante que os da privada. A ANS, contudo, foi bem clara: pessoas com planos de saúde são prioritárias, já as do SUS, não.
Isso motivou a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, no município de Baixo Guandu, a propor uma ação civil pública, requerendo que aos pacientes do SUS fossem adotados os mesmos prazos estabelecidos pela ANS para os planos privados. Em corajosa decisão, o juiz Roney Guerra Duque concedeu medida liminar em 28/09/2011, com validade em todo o estado, determinando que a resolução nº 259 deve ser ter “sua aplicação no âmbito da saúde pública (SUS), passando a valer para este, com as hipóteses e prazos nela regulamentados, em respeito à igualdade apregoada pelo texto constitucional”. Essa decisão ainda vige, e constitui um importante paradigma para outros processos judiciais que visem melhorar a saúde pública porque está pautada justamente no entendimento do STF e, agora, do STJ. De fato, se é discriminação proibir a união estável ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, é igualmente discriminação estabelecer prazos para que uma pessoa seja atendida pelo seu plano de saúde enquanto que quem depende do SUS não tem prazo algum. Não deveríamos ser todos iguais?
Vladimir Polízio Júnior, 40 anos, é defensor público estadual (vladimirpolizio@gmail.com)
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