Há Justiça na Justiça?


Em recente entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a ministra Eliana Calmon, mais uma vez, lembrou a existência dos “bandidos de toga”, e reclamou que o maior entrave para investigação dos magistrados seria o corporativismo reinante nos tribunais, sobretudo com relação aos desembargadores . Conhecedora profunda do assunto, pois é corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), salientou que “Os juízes de primeiro grau têm a corregedoria judicial. Mesmo ineficiente, ela tem alguém que está lá para questioná-los. Mas, dos integrantes dos Tribunais, nada passa pelas corregedorias. Os desembargadores não são investigados por elas." E como exemplo da dificuldade de modernização da justiça, citou o judiciário paulista: “Sabe quando eu vou poder inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. O Tribunal de Justiça de São Paulo é fechado, refratário a qualquer ação do CNJ." Mas o ponto maior da entrevista foi a declaração de que a atual Lei Orgânica da Magistratura, a qual dita as regras da carreira, editada em 1979, antes portanto da atual Constituição Federal, de 1988, precisaria ser revista, pois previa apenas punições morais aos magistrados:  “Aposentadoria não pode ser punição para ninguém. Foi no passado, quando o fio do bigode era importante, quando se tinha outros padrões de moralidade. A aposentadoria era uma pena. Hoje não é mais. Passou a ser encarada como benesse"

Fico feliz em ouvir essa preocupação de uma magistrada, sobretudo do quilate da ministra. Infelizmente, há juízes que se distanciam do ideário que deveriam nortear o desempenho de tão nobre carreira, talvez na mesma medida de outras tantas atividades profissionais. O problema é que, na magistratura, o julgamento acontece pelos próprios pares, e atualmente a aposentadoria, com direito à remuneração, é tida como “punição”. Bem, considerando-se alguns concursos em andamento, como o do TJ/ES (tribunal de Justiça do Espírito Santo) e do TRF/ 2ª Região (Tribunal Regional Federal da 2ª Região- Rio de Janeiro e Espírito Santo), a remuneração inicial de um juiz é, respectivamente, R$ 19.294,09 e R$ 21.766,16, o que não é baixo, dados os padrões nacionais, onde raras são as atividades que igualmente proporcionam férias de 60 dias ao ano. O juiz deve ser, sempre, exemplo de conduta. Ele não é um funcionário público comum, pois ganha mais que as demais carreiras justamente para que possa julgar com isenção. Um magistrado corrupto é infinitamente mais nocivo para a sociedade que qualquer outro mau servidor público.

Muito ainda precisa ser mudado. Daí a importância de um CNJ forte, que supervisione os mais de 1 mil processos administrativos que tramitam pelas corregedorias dos estados, de casos que  vão da emissão de cheques sem fundos a denúncias de trabalho escravo e atropelamento. De qualquer maneira, a justiça evoluiu, sem dúvida, basta lembrar que o reconhecimento da união estável e do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo significaram a primazia dos princípios do Estado Democrático de Direito da nossa República sobre qualquer outra norma, ainda que constitucional. A própria declaração da ministra comprova novos tempos. Oportuna, assim, a notícia do jornal “O Estado de São Paulo”, de 23 de novembro, da inédita decisão de lavra da juíza Marcia Helena Bosch, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital paulista, que determinou o afastamento do cargo e o congelamento dos bens do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Eduardo Bittencourt Carvalho, por indícios de irregularidades. A evolução gradativa é a que vem para ficar. Que assim seja, pois todos somos iguais perante a Lei. Até mesmo os juízes.  

Vladimir Polízio Júnior, 40 anos, é defensor público (vladimirpolizio@gmail.com)  

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