O Golpe da Cota de Vagas na Universidade
Uma estudante gaúcha, que tinha bolsa de estudos para cursar o ensino médio em escola particular, inscreveu-se no vestibular para engenharia de alimentos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na condição de disputar as vagas reservadas para os estudantes negros provenientes da rede pública de ensino. A questão aqui não é a discriminação dos alunos que tiveram o azar de estudarem na rede oficial de ensino e de terem origem branca, mas sim o fato de que essa estudante valeu-se de uma lei protetiva para disputar uma vaga em situação de vantagem com relação aos seus concorrentes reais à universidade. Ela foi aprovada no vestibular e, tão logo a UFRGS teve conhecimento da fraude, propôs na Justiça sua exclusão.
O juiz que primeiro analisou o caso, constatou a fraude, e excluiu a aluna. Inconformada, ela recorreu para o TRF 4ª (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), de Porto Alegre/RS, e os desembargadores entenderam que não seria justa a exclusão porque, dentre outros argumentos, o estudante diretamente prejudicado com a fraude não poderia assumir a vaga, pois já teria se passado quase metade do curso, e a estudante fraudadora teria cursado colégio particular com bolsa de estudos. A Universidade levou o assunto ao Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.254.118-RS), onde o Ministro Humberto Martins, em voto acompanhado por unanimidade pelos seus colegas da 2ª Turma, em votação publicada em 23/09/2011, salientou que “No caso dos autos, não há dúvidas de que a autora não está no grupo de indivíduos abrigados pelo Programa de Ações Afirmativas instituído pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul. Contudo, também é claro que a exclusão de aluna, em fase adiantada do curso, não permite o redirecionamento da vaga a outro aluno que deveria ter sido abrigado pelo programa. Assim, de forma nefasta, a realização do direito da recorrente, pelas normas jurídicas invocadas, se excluída a singularidade do caso e a percepção de o ordenamento jurídico como um todo, cria uma situação de injustiça e perplexidade: se excluída a impetrante, não haverá preenchimento da vaga aberta, não haverá restaurada a isonomia, mas tão somente a interrupção do processo de formação da graduanda, a despeito da formação já entregue pela instituição, das horas de estudo e da dedicação daquela.” Com esse raciocínio, entendeu o ministro que a estudante pode concluir o curso na universidade pública, ainda que para tanto tenha se utilizado de meio fraudulento.
A questão, de fato, é peculiar, e merece detida reflexão. Mas não me parece justo inexistir qualquer sansão a quem se utiliza de um sistema protetivo para burlar essa própria proteção. Essa agora universitária gaúcha cometeu uma fraude, e causou um prejuízo inestimável principalmente para um estudante que vinha da rede pública e imaginava disputar vagas com outros nessa mesma situação. Daí minha convicção íntima de que a única forma de se garantir um acesso em iguais condições a todos, sejam brancos ou negros, ricos ou pobres, é com uma escola pública de qualidade não apenas no ensino superior, mas sobretudo nos anos que antecedem a universidade.
Vladimir Polízio Júnior, 40 anos, é defensor público estadual (vladimirpolizio@gmail.com)
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