Lei Seca Resolve?
Periferia de São Paulo. Na noite de domingo, dia 27 de
novembro, o motorista de ônibus Edmilson Reis Alves, com 59 anos, que
trabalhava mesmo depois de aposentado, teve um “mal súbito” dirigindo, e acabou
atropelando um pedestre, que quebrou o pé. A multidão, enfurecida, imaginando
se tratar de mais um desses casos em que motoristas bêbados tiram a vida de
inocentes com seus veículos impunemente, covardemente assolapou o pobre
trabalhador desmaiado da poltrona do ônibus que conduzia e o linchou. Socorrido,
chegou morto ao hospital.
São inúmeros os estímulos para a fúria incontida que existem
com a quantidade de pessoas que perdem a vida vítimas de maus motoristas, que
abusam do álcool e se utilizam dos veículos como armas mortíferas. É fato:
álcool e direção não se combinam. Todavia, não podemos esquecer que o sono e a
fadiga também causam falta de concentração do motorista e eventualmente
ocasionam acidentes. Falando nisso, alguém duvida que a má conservação das
estradas, com buracos enormes n’alguns trechos, seria causa menor de desastres?
E qual o motorista que nunca se deparou com um ônibus em péssimo estado, ou com
um caminhão transportando pessoas, ou mesmo com uma viatura policial, com pneus
carecas e luzes queimadas? A conclusão é
que não há apenas, como vilão, o motorista que bebe uma cerveja antes de
conduzir seu veículo, e talvez a defesa cega dessa proibição ferrenha, como se
fosse a solução para todos os problemas do trânsito, seja por demais pueril,
deslocando o foco da discussão de onde realmente interessa, que é a conservação
da nossa malha rodoviária (porque à exceção de algumas rodovias privatizadas, a
esmagadora maioria está em frangalhos), a efetiva aplicação de multas para os
que ultrapassam os limites de velocidade e desrespeitam as regras de trânsito (há projeto no Congresso Nacional para que se
retire do Denatran -Departamento Nacional de Trânsito- o controle das multas, o
que pode facilitar fraudes), e as punições em si (como regra no sistema
brasileiro, condenações de até 4 anos não levam o infrator para a prisão). Afinal,
alguém pode muito bem beber algumas cervejas, conduzir seu veículo por algumas
quadras e chegar em casa sem colocar em risco a sua ou a segurança de qualquer
pessoa. A generalização é sempre muito complicada e perigosa porque transmite a
falsa impressão de uma realidade que não existe.
Por isso sou a favor da lei seca. Mas que entre em vigor
quando nossas rodovias todas estiverem sem buracos e bem conservadas, quando os
motoristas cansados e sonolentos sejam igualmente autuados por dirigirem nessa
situação, e quando não mais circularem viaturas e outros veículos com pneus
carecas ou com luzes queimadas nas cidades e nas estradas. Entretanto, enquanto
houver notícia como a divulgada pelo jornal Folha de São Paulo do dia 28, de
que um ministro aposentado, ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU),
Ubiratan Aguiar, recebia mensalmente quase R$ 38 mil, decorrente da somatória
de diversas aposentadorias, e graças à precisa intervenção do Ministério Público
Federal do Ceará passará a viver apenas com R$ 16,7 mil por mês (pois renunciou
às aposentadorias por ser ex-vereador, ex-deputado e procurador aposentado para
evitar uma ação civil pública), acredito que o problema real esteja longe de
ser resolvido, pois enquanto um brasileiro como Edmilson é obrigado a trabalhar
mesmo aposentado, alguns poucos com a aposentação achincalham o senso de decência ética.
Infelizmente, a lei seca não resolverá todos os nossos problemas.
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