Aborto e Crucifixo


É fácil defender a liberdade de expressão quando não divergem leitor e escritor. A questão se complica quando se pensa diferente do autor, e é aí que o discurso ‘politicamente correto’ de que a manifestação do pensamento deve ser livre encontra seu maior obstáculo. Por isso sempre entendi que no Brasil, com o texto constitucional estatuindo que a manifestação do pensamento é livre, desde que não apócrifa,  mas que poderá gerar a obrigação de indenizar se causar danos à imagem ou honra alheias (essa redação é repetida em diversas constituições do nosso continente, e na Convenção Interamericana dos Direitos Humanos há igual determinação), a aplicação desses preceitos dos incisos IV e V do seu  art. 5º demandam acurada interpretação, sob pena de violar a existência de direito tão natural quando o de respirar: o de pensar, e de falar o que se pensa.

Por isso questões como o aborto e a existência de crucifixos em repartições oficiais devem ser discutidas não sob o prisma do que deveria ser a sociedade, mas sim sobre o que ela é. Pessoalmente, sou contra o aborto, mas não consigo encontrar qualquer justificativa, que não seja puramente moral, para dissuadir quem pensa diferente. Entretanto, toda e qualquer opinião, favorável ou contrária a qualquer tema, deve ser discutida sem preconceitos, daí que a distribuição de folhetos pela CNBB (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil) na cidade de São Paulo, apregoando aos católicos votar apenas em "candidatos ou candidatas e partidos contrários à descriminalização do aborto" não tem nada demais, pois se trata da manifestação de um pensamento. Pode alguém ser contra é a união homoafetiva? Claro que pode, como igualmente podem existir pessoas contrárias à própria existência da “família”, do casamento hétero etc, pois o pensamento, e a propagação desse pensamento, qualquer que seja, sempre será uma conduta natural do ser humano, que pode “concordar” ou “discordar” sobre tudo.

Com relação aos crucifixos, também nunca encontrei argumentos convincentes que justificassem sua mantença nos prédios da justiça. Essa, aliás, a conclusão do TJ/RS (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul), que por unanimidade no último dia 7 acolheu o voto do desembargador Cláudio Baldino Maciel, relator de processo em que se discutia o uso de símbolos religiosos, para quem "Resguardar o espaço público do Judiciário para o uso somente de símbolos oficiais do estado é o único caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de um estado laico, devendo ser vedada a manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos dos prédios".
Na verdade, a opinião de pessoas e de instituições devem funcionar como argumentos para que o cidadão, atento ao leque de informações disponíveis, reflita e tome suas próprias conclusões. Impedir uma manifestação de pensamento, ou então condenar alguém por emiti-la, é o que de mais nocivo existe não só à cidadania, mas ao Estado Democrático de Direito.

Vladimir Polízio Júnior, 41 anos, é defensor público (vladimirpolizio@gmail.com

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