Alagação no Acre
Vivi por quatro anos em Rio
Branco, capital do Acre. E no início de cada ano sempre o rio sobe, inundando
um longo trecho que deveria ser área de preservação permanente mas que, por
conta dos desgovernos que se sucedem naquele estado, recebem cada vez mais
pessoas desafortunadas da própria sorte, que com as enchentes perdem o pouco
que tem. O problema, aliás, não se limita à capital, pois no interior as cenas
de desolação são ainda piores.
As cheias deste ano se mostraram
mais nefastas que a conhecida cheia de 1997. A cidade de Brasiléia, por
exemplo, que faz fronteira com a Bolívia, teve 95% de sua área tomada pelas
águas. Eu não errei na porcentagem: quase a totalidade do município foi tomada
pelas águas. E quais as medidas adotadas
pelas autoridades? Bem, a mais absurda foi a mantença do carnaval em Rio
Branco, que custou R$ 3 milhões, enquanto grande parte da capital estava sob as
águas. Interessante que, com a festa popular, a polícia foi deslocada para
proteger os foliões, mas como não combinaram com os bandidos que não deveriam
realizar saques nas casas quase submersas dos bairros ribeirinhos, muitos
pobres ficaram ainda mais pobres, porque os criminosos agiam com a sensação de
impunidade, à frente de todos. Outra cena seria cômica não fosse a tragédia que
anunciava: nas ruas, enquanto alguns iam fantasiados se divertir no carnaval,
outros carregavam suas tralhas e caminhavam em romaria para abrigos coletivos.
Como isso acontece longe dos
grandes centros, a divulgação desses fatos pela imprensa é sutil, e a
possibilidade de que tudo continue como está é imensa. Ora, muitos municípios
do Acre estão em regiões de planície, e as ruas das cidades por vezes ficam
ziguezagueando os rios. Evidente que quando da época das cheias os rios sobem e
atingem áreas consideráveis. Porque não estabelecer um plano estratégico de
prevenção contra essas tragédias anunciadas? Será que em plena amazônia não
haveria local seguro para a construção de cidades que não fosse tomada pelas
águas? A só aplicação da área de preservação nas margens dos cursos d’água,
previstas pelo Código Florestal, já reduziria em muito essa situação absurda
sofrida pela população de um estado onde o governo se diz defensor da floresta
e se orgulha de ligar o Brasil ao Pacífico com uma versão moderna de
transamazônica. Porque não basta proteger as matas ou construir uma rodovia
deserta sem cuidar das pessoas que lá vivem.
Vladimir Polízio Júnior, 41 anos, é defensor público (vladimirpolizio@gmail.com)
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