MORO E OS PROCURADORES DA LAVA JATO
Com a divulgação segunda-feira,
10/04, de mensagens trocadas entre o atual ministro da Justiça e ex-juiz
federal Sérgio Moro com integrantes da operação Lava Jato um turbilhão de
interpretações, opiniões e veredictos circula pelas mídias sociais e imprensa.
Infelizmente, mais para desinformar. Ou melhor, para conferir uma interpretação
político-ideológica, papalva, distante do imprescindível escopo de se
perscrutar sobre o fato e suas nuances para se averiguar a notícia, da qual
posteriormente seriam interpretados os fatos e dados através de uma reportagem,
que para ser isenta deveria ser a mais plural possível. Talvez por atraso
cultural ou social essa estrutura lapidar do jornalismo caminhe distante da
maioria dos veículos de imprensa, ou quiçá apenas pela influência dos novos meios,
como whatsapp, instagram, facebook, que tornam a informação mais dinâmica e
menos comprometida com a verdade.
Acredito que conceitos lapidares do
jornalismo, como definição de notícia ou reportagem tenham perdido o sentido
que possuíam num passado não muito distante. Como advogado e jornalista, antigo
eleitor de José Genoino, Lula e Suplicy, tentarei distinguir o que é direito do
que é política. Vamos lá:
Para o direito uma prova obtida por
meio ilícito não possui efeito jurídico válido, isto é, ela não presta para
provar nada. Como exemplo, o STF[1]
já considerou ilícitas as provas obtidas no domicílio funcional da então
Senadora Gleisi Hoffman, “bem como de eventuais elementos probatórios outros
delas derivados, com determinação de desentranhamento dos respectivos auto de
apreensão e relatórios de análise de material apreendido, com sua consequente
inutilização, bem como a inutilização de cópias e espelhamentos de documentos,
computadores e demais dispositivos eletrônicos, e a restituição de todos os
bens apreendidos no citado local, caso já não tenha ocorrido, e por fim,
determinação de inutilização de todas as provas derivadas daquelas obtidas na
busca [...],” porque a ordem de busca e apreensão foi considerada inválida; o
único voto dissonante da Turma foi de Edson Fachin, para quem nenhuma
ilegalidade houve com ordem de busca e apreensão porque o investigado naquele
momento era Paulo Bernardo, seu marido, e não a parlamentar.
Em direito, de muito prepondera a
teoria dos frutos da árvore envenenada, “fruits of the poisonous tree theory”,
que preconiza a indispensabilidade de uma fonte de prova juridicamente lícita
para não inviabilizar os elementos de convicção que se sucedem, pouco
importando se desconsiderar essa prova originariamente viciada importará na
liberdade de um generocida contumaz, de um pedófilo homicida ou de um grande
líder de organização criminosa, por exemplo. Não cabe aqui discussão sobre a
justiça desse entendimento, mas apenas a constatação de que é nesse sentido que
os operadores do direito caminham.
Politicamente o caminho é outro. Não
há compromisso com notícia ou com pluralidade de interpretações, apenas e tão
somente discursar para o público pelos interesses mais diversos possíveis, nem
sempre democráticos ou altruístas. Um líder político pode desejar dividendos
eleitorais, um jurista desejar vender mais livros ou elevar seus honorários; um
comentarista pode buscar uma posição que lhe garanta audiência ou “likes”,
conforme o veículo, da mesma forma que existem os que exprimem uma ideia porque
realmente acreditam nela. Ainda assim não há se falar em opinião certa ou
errada lato sensu acerca do aspecto político de qualquer posição; o problema é
quando se confunde convicção política com convicção jurídica, travestindo uma
na outra num embuste fantasioso cujo único objetivo é confundir, ou melhor,
criar uma roupagem de idoneidade e de vítima que ilude os incautos e às vezes
os não tão incautos assim. Politicamente é como o futebol, pois um vascaíno não
se torna flamenguista porque seu time não está com uma boa equipe este ano e
tampouco um corintiano passa a torcer pelo São Paulo pelo mesmo motivo; não é a
razão que impera, mas sim um sentimento subjetivo repleto de passionalidade.
No caso das mensagens de texto do
ministro Moro com os procuradores federais, sob o aspecto jurídico, se
verdadeiras ou falsas, são imprestáveis para embasar qualquer procedimento; são
provas ilícitas, porque obtidas de modo antijurídico. Nesse sentido, aliás,
nota da ANPR[2]: “Os
dados utilizados pela reportagem, se confirmada a autenticidade, foram obtidos
de forma criminosa, por meio da captação ilícita de conversas realizadas,
violando os postulados do Estado Democrático de Direito. Por essa razão, são
completamente nulos os efeitos jurídicos deles decorrentes, na forma do art. 5,
incisos XII e LVI, da Constituição Federal e do art. 157 do Código de Processo
Penal. A ANPR repudia, categoricamente, o vazamento de informações obtidas de maneira
ilegal, independentemente da fonte do vazamento, do seu alvo ou do seu objetivo”.
Analisadas sob o ângulo político, as
mensagens, verdadeiras ou falsas, importam mais em tentativa de desconstrução
de seu nome pelos detratores de sempre, em larga maioria indigestos pela
ascensão do ex-magistrado na política nacional. Para os demais a atuação de
Sérgio Moro na Operação Lava Jato foi relevante para a ideia de moralização da
República, processando e julgando políticos e empresários de alta grandeza e com
sentenças praticamente irretocadas por todas as instâncias do Judiciário.
Não por acaso, em nenhum momento
discorri sobre a importância de se verificar o conteúdo das mensagens
divulgadas, se verdadeiros ou falsos os textos que ora se imputam a Dallagnol
ora a Moro. Isso porque nenhuma relevância, jurídica ou política, possui essa
questão. Da mesma forma que não se discute sobre os objetos apreendidos no
apartamento da então senadora petista, sobre quais crimes estariam comprovados
com aquele acervo que o STF entendeu que não poderia ser utilizado como prova e
tornou todos aqueles documentos apreendidos sem efeito jurídico. O certo é que,
para o bem ou para o mal, na maioria das vezes o direito passa ao largo da
justiça.
Vladimir Polízio Júnior, 48 anos, jornalista, é advogado, mestre Direito Processual
Constitucional e doutor em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de
Zamora, Argentina, e pós-doutorando em Cidadania e Direitos Humanos pela
Universidade de Coimbra, Portugal. Autor, dentre outros, de Novo Código
Florestal, pela ed. Rideel, e Lei de Acesso à Informação, pela ed. Juruá.
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