A reforma das reformas


Em consulta no site do Congresso Nacional[1] percebemos exatas 1.055 propostas de emenda à Constituição em trâmite no Senado e na Câmara dos Deputados, embora as reformas mais faladas sejam as da previdência, trabalhista e tributária. O problema é que a reforma das reformas, ou melhor, a indispensável modificação para nosso Parlamento representar verdadeiramente o povo e os Estados e, assim, retornar às origens do federalismo que o inspirou, os Estados Unidos, onde cada Estado elege 2 senadores e para a Câmara dos Representantes pelo menos 1, variando conforme a população, sendo ao todo 435 membros na Câmara (equivalente ao cargo de deputados federais) e 100 no Senado, nunca foi e nem será prioridade.

No Brasil são 513 deputados e 81 senadores, com anomalias como a de estabelecer limites mínimos e máximos para a câmara de deputados e de 3 senadores para cada Estado. Proporcionalmente, os Estados Unidos, com quase 330 milhões de habitantes possuem 535 parlamentares no legislativo federal, enquanto o Brasil, com quase 210 milhões, 594. Mas o pior no Brasil é quando existem limites para a composição da câmara dos deputados, que é onde o povo deveria estar representado, pois enquanto nos Estados Unidos esse princípio é fielmente observado, tanto que pode existir Estado com apenas 1 deputado, no Brasil a Constituição estabelece um mínimo de 8 e um máximo de 70, de modo que a ideia originária da proporcionalidade para a representação do povo é chafurdada. Essa violação macula todo processo legislativo, pois fulmina inexoravelmente de modo simultâneo o principal fundamento da República, de que todo o poder emana do povo, e seu objetivo prevalente, que é o de promover o bem de todos sem qualquer forma de discriminação.

O resultado é que, por exemplo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, com 83,7 milhões de habitantes, mais de 40% do total do Brasil, possuem no Congresso Nacional 9 senadores e 169 deputados federais enquanto Roraima, Amapá e Acre, com 2,2 milhões, 9 senadores e 24 deputados; a somatória das regiões norte e centro-oeste, com 10 estados mais o distrito federal, somam 34,2 milhões de pessoas, quase 17% da população, possui bancada com 33 senadores e 106 deputados. Eu pergunto: onde está a proporcionalidade? A ideia elementar de Estado Democrático de Direito é a de igualdade entre todos os seres humanos, independentemente de sexo, raça, origem ou religião, mas esse preceito se transforma em letra morta quando se impõe que o voto de um brasileiro tem mais valor que o de outro. A consequência grotesca desse sistema discriminatório, absurdo e disparatado é a contaminação de todo trabalho do Parlamento, que não sem motivos é a instituição menos confiável dos brasileiros em pesquisas de opinião[2]. Não há lógica para que cada estado tenha 3 senadores, tampouco que o voto de um cidadão de Roraima tenha mais valor que o de outro de São Paulo, e por isso é no mínimo questionável a legitimidade de um Congresso que não reflete a vontade proporcional da maioria da população. Reforma de verdade seria enfrentar essas duas anomalias: (1) Precisamos de 3 senadores por estado? (2) É justo o voto de um brasileiro valer mais que o de outro?

Vladimir Polízio Júnior, 48 anos, jornalista, é advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina, e pós-doutorando em Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, Portugal. Autor, dentre outros, de Novo Código Florestal, pela ed. Rideel, e Lei de Acesso à Informação, pela ed. Juruá.







[1] Congresso Nacional do Brasil. Disponível em: <https://www6g.senado.leg.br/busca-congresso/?q=reforma+constitucional&tipo-materia=PEC+-+PROPOSTA+DE+EMENDA+%C3%80+CONSTITUI%C3%87%C3%83O&tipo-materia=PEC+-+Proposta+de+Emenda+%C3%A0+Constitui%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 06 jun. 2019.
[2] Como a do Instituto de Pesquisas DataFolha, denominada “Brasileiros veem Forças Armadas como instituição mais confiável”, disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2019/04/1987746-brasileiros-veem-forcas-armadas-como-instituicao-mais-confiavel.shtml>. Acesso: 06 jul. 2019.

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