Vidas importam
Na madrugada do último 13 de março o
apartamento da enfermeira Breonna Taylor foi invadido por policiais, que
confundiram o endereço de uma ordem judicial que permite a entrada no imóvel
sem aviso. Seu namorado, pensado ser um assalto, efetuou disparos de arma de
fogo em direção aos supostos invasores, que responderam com uma saraivada com
mais de 20 tiros. O desfecho é que a jovem morreu no local, em sua cama, e o
rapaz, ferido, foi preso e acusado por tentativa de homicídio.
Ainda assim, apenas com a morte de George
Floyd, asfixiado por um policial branco por eternos quase nove minutos, em 25
de maio, deflagrou-se uma onda de protestos, inicialmente nos Estados Unidos e
agora por todas as latitudes, contra a discriminação. Porque a morte de
Breonna, uma mulher negra, por policiais não principiou a mesma irresignação
pela morte de Georg, um homem negro, também por policiais, é uma incógnita.
Seria discriminação por se mulher? Seria por ter sido a asfixia registrada em
mídia e rapidamente divulgada pelas redes sociais? Pode ser. Mas da mesma forma que a Primavera
Árabe, que surgiu no final de 2010 quando um tunisiano ateou fogo no seu
próprio corpo, em sinal de protesto pelo confisco de sua barraca de frutas pela
polícia e logo acabou transformando-se em um movimento cujo resultado foi a
derrocada de inúmeras ditadores do oriente médio e norte da África, existem fatos
que, uma vez ocorridos, desencadeiam uma reação cujo desfecho é desconhecido.
No Brasil, uma desastrada e abjeta
operação policial em 15/5/2020, na cidade do Rio de Janeiro, resultou na morte de
João Pedro Mattos Pinho, com apenas 14 anos de idade, por tiros de fuzil
disparados por policiais de um helicóptero. O garoto estava dentro de sua casa,
atingida por mais de 70 disparos. Esse fato motivou o ministro Edson Fachin, do
Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática publicada no último dia 9, a
conceder liminar na ADPF 635, determinando que “não se realizem operações
policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia do COVID-19,
salvo em hipóteses absolutamente excepcionais”, nas quais deverão ser adotadas “cuidados
excepcionais, devidamente identificados por escrito pela autoridade competente,
para não colocar em risco ainda maior população”.
O ministro destacou “que o Estado
brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso
Favela Nova Brasília, não apenas pela violação às regras mínimas de uso da
força, mas também por não prever protocolos para o uso da força, seja para
atestar a necessidade do emprego, seja para fiscalizá-lo.” E com esse
precedente, “os fatos recentes tornam ainda mais preocupantes as notícias
trazidas sobre a atuação armada do Estado nas comunidades do Rio de Janeiro”,
por conta “da ilegítima quebra de
expectativa de que, com a decisão da Corte Interamericana, novas mortes não
viessem a ocorrer. Como se sabe, uma das consequências que emerge do
reconhecimento da responsabilidade internacional do Estado é a garantia de
não-repetição”.
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